Biomecânica da articulação metacarpo-falangeana (MF) do polegar
A articulação metacarpo-falangeana (MF) do polegar apresenta características em comum às articulações do tipo condilar e gínglimo. Seu arco primário de movimentação ocorre no plano de flexo-extensão, com limitado grau de abdução-adução e de rotação. Sua estabilidade depende primariamente de estruturas cápsulo-ligamentares e músculo-tendinosas. Os ligamentos colateral ulnar e colateral radial formam as paredes medial e lateral, respectivamente, do que se assemelha a uma estrutura tridimensional. O assoalho é formado pela inserção do músculo adutor do polegar no sesamóide ulnar e do músculo flexor curto do polegar no sesamóide radial. O ligamento colateral ulnar (LCU) se origina do côndilo medial do metacarpo e se insere no terço volar da falange proximal. O ligamento colateral acessório tem uma origem mais superficial e volar ao LCU e se insere na placa volar e no sesamóide ulnar. O LCU fica tensionado em flexão e relaxado em extensão, enquanto que o ligamento colateral acessório fica tensionado em extensão e relaxado em flexão. O LCU é ainda coberto por uma expansão dorsal do músculo adutor do polegar (aponeurose do adutor) que se insere no aparelho extensor.
Epidemiologia
A lesão aguda do LCU da articulação MF do polegar é muito comum. Apesar do termo “skier’s thumb” ou polegar do esquiador ser frequentemente empregado para descrever tal lesão, estudos recentes demonstram que a maioria dos casos ocorrem em outras modalidades esportivas mais populares e principalmente, em quedas simples do dia-a-dia. Sua lesão é 10 vezes mais frequente do que a lesão do ligamento colateral radial. O mecanismo de lesão ocorre por uma abdução (desvio radial) súbita e forçada com o polegar em extensão. A maioria das lesões ocorre na inserção distal da falange proximal, mas também pode ocorrer na sua inserção proximal ou no meio da substância do ligamento. A associação de fraturas não é rara, sendo a fratura-avulsão da base da falange proximal a mais comum.
Classificação
A lesão do LCU pode ser classificada quanto sua extensão em parcial ou completa e quanto sua periodicidade em aguda ou crônica.
Nas lesões parciais, uma porção variável do ligamento está em continuidade, mantendo os cotos do ligamento em proximidade suficiente para promover sua cicatrização. Nas lesões completas, existe uma perda total da continuidade do ligamento que sofre uma retração variável, dimimuindo seu potencial de cicatrização.
Em 1955, Campbell descreveu uma frouxidão crônica que ocorria no LCU dos “gamekeepers” escoceses, em razão do método que utilizavam para quebrar o pescoço das lebres, que a longo prazo causava atenuação progressiva do LCU. Desde então, o termo “gamekeeper” vem sendo utilizado indiscriminadamente para descrever tanto lesões crônicas como agudas. No entanto, a grande maioria dos casos de instabilidade crônica do LCU, é resultante de uma falha no diagnóstico inicial ou no tratamento de lesões completas, na fase aguda. O período decorrido entre uma lesão e o seu diagnóstico, para que ela seja considerada como crônica não é muito bem definido na literatura. No entanto, a maioria dos autores considera após três a quatro semanas, o sucesso na reparação primária do LCU através de sua reinserção óssea passa a ser pouco provável.
O diagnóstico da lesão do LCU é eminentemente clínico. Uma história de queda sobre o polegar em abdução e extensão, associado à dor e edema no aspecto medial da articulação MF deve levantar suspeitas. Ao exame físico, os achados mais frequentes são dor à palpação no aspecto medial da articulação MF, na topografia do LCU e também na cápsula dorso-ulnar e na placa volar, o que pode refletir uma lesão associada dessas estruturas. Edema local e equimose podem ou não estar presentes. Em todos os casos suspeitos de lesão do LCU, radiografias em frente , perfil e oblíqua devem ser obtidas para avaliar a possível presença de fraturas associadas.
O teste do estresse em abdução da articulação MF é de suma importância, pois é muito útil para definir se a lesão do LCU é parcial ou completa. O examinador deve estabilizar a cabeça do metacarpo entre seu polegar e indicador esquerdos. A seguir, um estresse em abdução é executado com a outra mão do examinador segurando firmemente a metade distal da falange proximal do paciente. A articulação deve ser examinada com a articulação MF em extensão e em flexão de 30 graus e o exame deve ser comparativo com o polegar contra-lateral não lesado. Uma abertura maior que 35 graus com o polegar em extensão, ou 15 graus maior em relação ao lado contra-lateral com o polegar em flexão de 30 graus, são altamente sugestivos de uma lesão completa. A ausência de um “end-point” bem definido durante a realização do teste também corrobora com o diagnóstico de uma lesão completa. Nos casos em que restarem dúvidas se a lesão é parcial ou completa, o ultrassom é um excelente exame devido ao seu baixo custo e rápida execução. Estudos recentes tem demonstrado que sua acurácia gira em torno de 90%.A ressonância magnética é ainda mais preciso que o ultrassom, podendo fornecer um panorama mais detalhado da lesão. A radiografia em estresse também é um exame válido, mas a contratura antágica presente em alguns pacientes pode dar origem a falsos-negativos.
Tratamento
Lesões parciais do LCU
O tratamento das lesões parciais do LCU é conservador. A articulação MF do polegar deve ser imobilizada em discreta flexão e sem qualquer estresse em abdução numa tala gessada por 4 semanas. A articulação interfalangeana (IF) não deve ser imobilizada, a fim de permitir sua livre mobilização. Após esse período, o paciente é encaminhado para reabilitação com a utilização de uma órtese tipo cone imobilizando apenas a articulação MF por mais duas semanas. Atividades esportivas e manuais mais intensas devem ser evitadas por cerca de três meses.
Lesões completas agudas
Atualmente, é amplamente aceito que as lesões completas do LCU devam ser tratadas cirurgicamente devido ao seu baixo potencial de cicatrização espontânea e aos resultados inconsistentes do tratamento conservador, mesmo na ausência da lesão de Stener (interposição da aponeurose do adutor). O objetivo da cirurgia é restaurar a anatomia do aspecto medial da articulação MF através do reparo do LCU e da cápsula dorso-ulnar. A via-de-acesso utilizada é uma incisão longitudinal curvelínea em “S”, centrada no aspecto medial da articulação MF (de proximal -dorsal para distal-volar). A incisão distal deve permitir um fácil acesso ao terço volar da falange proximal. O nervo sensitivo radial deve ser identificado e protegido. O tendão do extensor longo do polegar (ELP) é identificado na borda superior da incisão e a aponeurose do adutor é incisada longitudinalmente (a cerca de 2 mm do ELP) e refletido volarmente para expor o LCU e a cápsula articular. O LCU é um ligamento robusto e facilmente identificável nos casos mais agudos (menos que três a quatro semanas de lesão), quardando até alguma semelhança com um coto de tendão flexor. Na presença da lesão de Stener ele se apresenta distorçido e dobrado sobre ele mesmo, como se fosse uma tumoração junto a borda proximal da aponeurose do adutor. Nessa situação, o LCU deve ser desdobrado para restaurar sua forma original antes de seu reparo. Sua desinserção distal da falange proximal é cinco vezes mais frequente que sua desinserção proximal do metacarpo. A reinserção do LCU pode ser realizada com pontos trans-ósseos tipo “pull-out” ou com a utilização de duas mini-âncoras com fios 2-0 ou 3-0. As últimas estão associadas a um menor tempo cirúrgico, devido sua menor complexidade técnica, além de menor taxa de complicações ao dispensar a utilização de botões sobre a pele. Uma curetagem prévia é realizada no local de reinserção do ligamento, que deve ser o mais próximo possível da sua inserção original, a cerca de 4 mm da superfície articular e no terço volar da falange proximal. A tensão do reparo deve ser testada através de um leve estresse em abdução, antes da amarria final dos nós da âncoras, a fim de permitir ajustes caso isso seja necessário. A reparação da cápsula dorso-ulnar é mandatória se houver lesão da mesma, para evitar a ocorrência de uma subluxação rotatória volar-ulnar. A aponeurose do adutor é fechada ao final da reinserção ligamentar. A utilização de um fio de Kirschner 1,2 mm trans-articular para proteção do reparo é opcional.
Nas primeiras 4 semanas de pós-operatório, o paciente é mantido com uma tala gessada antebraquial curta para polegar, mantendo a articulação IF livre. A seguir, o paciente é encaminhado para a reabilitação com uma órtese tipo cone que imobiliza apenas a articulação MF. Nos casos em que a articulação foi fixada, o fio de Kirchner é removido com quatro semanas de pós-operatório. Após 6 semanas, a órtese é descontinuada e o paciente é liberado para atividades da vida diária que não exijam preensão ou pinça forçada. O retorno para as atividades físicas mais intensas só é permitido após três meses de cirurgia.
Nos casos de fratura-avulsão da base da falange proximal, o tratamento depende da porcentagem da superfície articular envolvida e do grau de desvio do fragmento. O tratamento conservador está bem indicado quando não houver comprometimento articular ou desvio significativos. Caso contrário, a abordagem cirúrgica aberta com redução e osteossíntese do fragmento, ou reinserção direta do LCU após remoção do fragmento, está associada a resultados mais consistentes.
Lesões completas crônicas
Nos casos em que a instabilidade for sintomática, isto é, com dor e disfunção da pinça, e não houver sinais de osteoartrose, o tratamento cirúrgico está indicado. A via-de-acesso utilizada é a mesma que nos casos agudos. A diferença é que o LCU está retraído e com grau variável de degeneração e fibrose o que torna sua reinserção mais difícil e em alguns casos, até mesmo inviável. Nos casos em que a reinserção é factível, é frequente que o LCU fique mais tenso que o normal e limite a flexão da articulação MF.
Quando o LCU está muito degenerado ou indistinguível da fibrose, a reconstrução do ligamento com enxerto de tendão palmar longo é a opção de escolha. O LCU e a cáspsula fibrosada são removidos da concavidade da cabeça do metacarpo e da base da falange proximal. Dois túneis ósseos de 3 mm são confeccionados na cortical ulnar da falange proximal nas posições equivalentes a 1 e 5 horas de um relógio, a cerca de 4 mm da superfície articular. Esses túneis comunicam-se entre si através do canal medular da falange proximal. A distância entre eles deve ser o suficiente para evitar uma fratura entre os túneis. Um terceiro túnel de 4 mm é confeccionado com ponto de entrada na concavidade ulnar da cabeça do metacarpo e com ponto de saída na cortical dorso-radial mais proximal. Uma pequena incisão de pele longitudinal de 1,5 cm é feita no ponto de saída do túnel do metacarpo. Um enxerto de palmar longo é obtido e passado através dos túneis da falange proximal com o auxílio de uma alça de fio de aço. As extremidades livres do enxerto são equiparadas e passadas simultaneamente pelo túnel do metacarpo, saindo pela incisão de pele dorso-radial. A articulação MF é reduzida e fletida a cerca de 30 graus e o enxerto é tensionado com um nó entre suas extremidades livres. O nó é então suturado ao periósteo e às partes moles adjacentes à saída do túnel ósseo na cortical dorso-radial do metacarpo, mantendo-se a tensão do enxerto. Uma mini-âncora pode ser utilizada para reforçar esse ponto de ancoragem do enxerto. O pós-operatório é similar aos casos agudos, porém a tala gessada é mantida por 6 semanas, ao invés de 4 semanas. A seguir, o paciente é encaminhado com uma órtese para reabilitação seguindo o mesmo protocolo das lesões agudas.
Uma outra alternativa de tratamento mais simples nos casos crônicos é a confecção de um neo-ligamento a partir dos remanescentes fibrosados da cápsula articular MF e do LCU. Este ligamento é avançado e reinserido na base da falange proximal com duas mini-âncoras.