Os problemas nas mãos que ocorrem em crianças são as deformidades congênitas e alguns tipos de traumas que são muito frequentes nessa idade, tais como as fraturas incompletas do punho e antebraço e as lesões de ponta-de-dedo.
As deformidades congênitas mais comuns são:
• Polidactilia ou dedo extra-numerário. A criança nasce com 1 dedo a mais que pode estar do lado do polegar (pré-axial) ou do lado do dedo mínimo (pós-axial). O tratamento pode variar desde uma simples ressecção ou ligadura, quando o dedo extra é rudimentar e conectado apenas por uma estreita faixa de pele, até procedimentos de reconstrução ósteo-articular, nos casos mais complexos.
• Sindactilia. Ocorre uma falha na formação dos espaços ou comissuras entre os dedos e eles ficam grudados. A sindactilia pode ser completa ou incompleta, simples ou complexa. Pode acometer 2 ou mais dedos. O tratamento visa a separação dos dedos grudados através da comissuroplastia. Em geral, é necessária a utilização de enxertos de pele para cobrir as falhas de pele resultantes das separação entre os dedos.
• Dedo-em-gatilho. O dedo fica travado em flexão ou dobrado. Ocorre com maior frequência no polegar e muitas vezes é descoberto pelos pais após 1 a 2 anos de idade, ou até mesmo mais tardiamente. Isso ocorre pois as crianças nessa idade ficam a maior parte do tempo com os dedos fechados e fica difícil para os pais perceberem a anormalidade. A causa é uma desproporção entre o tendão flexor e a polia ou túnel por onde ele passa, causando um travamento do tendão na região dessa polia. Pode ocorrer a formação de um nódulo no tendão (Nódulo de Notta). O tratamento é baseado na idade do diagnóstico e na severidade do travamento do dedo. Nas crianças < 1 ano e com travamento leve, isto é, quando o dedo pode ser esticado com relativa facilidade e pouco desconforto da criança, pode ser tentado o tratamento conservador com terapia ocupacional por alguns meses. Nos travamentos mais resistentes e em crianças > 2 anos, a chance de sucesso do tratamento conservador é pequena e está indicado o tratamento cirúrgico. Através de uma incisão de 1,0 cm a polia A1 e seccionada, liberando assim o tendão e resolvendo o problema.
Os traumas mais frequentes são:
Fraturas do punho e antebraço. Ocorrem após queda sobre o punho durante brincadeiras típicas da idade. Na maioria dos casos, são traumas de baixa energia que provocam fraturas sem desvio ou incompletas, também conhecidas como torus ou em galho-verde. Nesses casos, ao invés dos ossos quebrarem como em adultos eles literalmente “amassam” ou “envergam”, pois possuem menor rigidez e maior elasticidade. Outra vantagem das fraturas nessa faixa etária é que a velocidade de consolidação dos ossos é quase o dobro quando comparada a adultos. Além disso, a capacidade de remodelação do osso também é muito maior. As implicações práticas disso, são que a maioria dessas fraturas não necessitam muito mais que imobilização com talas curtas por 3 a 6 semanas.
Nos casos mais graves, envolvendo traumas com mais energia onde os ossos sofrem maior desvio, pode ser necessário tratamento cirúrgico com realinhamento dos ossos e fixação com Fios de Kirshner (pinos lisos).
Fraturas da mão e dedos. A imensa maioria das fraturas envolvendo os metacarpos e falanges em crianças são passíveis de tratamento conservador através de imobilização por curtos períodos. Nem mesmo manobras de redução são necessárias, tendo em vista o enorme potencial de remodelação óssea nessa faixa etária. No entanto, vale a pena ressaltar uma exceção notável nessa regra: as fraturas condilares da falange proximal (FP) ou da falange média (FM) dos dedos. Essas fraturas são inerentemente instáveis e afetam diretamente a congruência articular das IFP e IFD. Essas fraturas podem provocar bloqueios articulares e deformidades angulares significativas nos dedos. Nas fraturas condilares sem desvio, os pacientes devem ser acompanhados de perto nos primeiros 15 dias, para descartar desvios secundários. Nas fraturas com desvio > 1-2 mm, a cirurgia se faz necessária para redução adequada do degrau articular resultante. Inicialmente, uma redução incruenta e fixação percutânea com FK pode ser tentada. Caso a redução não seja obtida, está indicado a redução aberta e fixação com parafusos interfragmentários ou FK. Essas fraturas podem causar sequelas funcionais e estéticas importantes se não forem adequadamente tratadas.
Lesões de ponta-de-dedo. São muito comuns em acidentes com portas e janelas. O tratamento segue os mesmos princípios destas lesões em adultos. Nos casos mais leves, a ponta do dedo fica inchada e o leito ungueal (a “carne” que fica sob a unha) fica com uma tonalidade mais roxa, devido ao hematoma subungueal. Imobilização com uma tala metálica por 1 semana e utilização de anti-inflamatórios são suficientes na maioria desses casos. Se o hematoma for muito extenso e causar dor, 2-4 perfurações com agulhas estéreis podem ser realizadas na unha para drenar o hematoma e aliviar o desconforto.
Nos casos mais graves, ocorre lesão variável do leito ungueal, unha e fratura da falange distal (FD) do dedo preso. Os pacientes devem procurar um pronto-socorro imediatamente para avaliação adequada da extensão da lesão, pois a lesão do leito ungueal e sua matriz germinativa podem acarretar sequelas permanentes do crescimento da unha. Ademais, essas lesões são verdadeiras fraturas expostas com risco de infecção óssea e osteomielite se não tratadas rápida e adequadamente.
Em geral, esses casos necessitam de cirurgia para limpeza da ferida, reparo meticuloso do leito ungueal com técnica microcirúrgica, fixação da fratura da FD com pinos (Fios de Kirshner) e antibioticoterapia por 2 semanas.
Paralisia Obstétrica do Plexo Branquial
O que é PO?
• Também conhecida como Paralisia Obstétrica (PO), é uma lesão traumática dos nervos responsáveis pela movimentação e sensibilidade de todo o ombro, braço, cotovelo, punho e mão no momento do parto.
• A principal causa é uma desproporção entre o canal do parto (mãe) e o tamanho do bebê.
• Os principais fatores de risco são: bebês grandes > 4 kgs (macrossomia fetal), diabetes gestacional, multíparas, partos difíceis e prolongados.
Como identificar uma criança com PO?
• O quadro de apresentação mais típico seria a de um recém-nascido com ausência de movimentação do ombro e do cotovelo. A criança permanece a maior parte do tempo com o braço junto ao corpo e a mão virada para dentro. A assimetria das pregas cutâneas e o encurtamento relativo do braço comprometido também são sinais importantes. Deve-se atentar para outras patologias que podem causar déficit de mobilidade do braço tais como, fraturas do úmero e da clavícula além de infecções como pioartrite do ombro.
• Exames complementares: os melhores exames para diagnosticar a displasia do ombro é a RMN ou TC. Damos sempre preferência a RMN devido ao menor grau de radiação emitida em relação a TC.
• Mesmo quando há recuperação espontânea de alguns dos nervos estirados, cerca de 80% das crianças evoluem com limitações funcionais que são mais evidentes nos ombros. A criança não consegue levantar muito o braço e tem dificuldade para leva a mão a boca e a nuca.
• Esta deformidades são causadas por um desbalanço da musculatura do ombro que a médio prazo também acarreta deformidades ou displasias osteoarticulares no ombro, caso o desbalanço não seja corrigido.
Incidência da PO no Brasil
• Nos EUA é de 0,38 a 1,56 por cada 1000 nascidos vivos.
• Não existe nenhum estudo da incidência de PO no Brasil, mas seguramente a incidência é maior que nos EUA, pois a assistência pré-natal no Brasil é menos abrangente que nos EUA.
Tratamento da PO
• O tratamento da PO necessita de uma abordagem multidisciplinar e integrada.
• Os casos encaminhados precocemente (recém-nascidos) são os de melhor prognóstico. A abordagem inicial consiste na orientação dos pais e na prevenção de deformidades e posturas viciosas do ombro e do cotovelo. Nessa etapa, a participação de uma terapeuta ocupacional é fundamental. É ela quem vai conduzir e orientar os pais nos exercícios diários de alongamento da musculatura encurtada e fortalecimento da musculatura enfraquecida.
• Se após 6 a 9 meses não houver uma recuperação neurológica adequada, as crianças são submetidas a cirurgia para reconstrução dos nervos lesados através da microcirurgia. Essas cirurgias envolvem a reconstrução das raízes lesadas do plexo braquial com a utilização de enxertos de nervos (nervo sural) que são retirados das pernas, em combinação com as transferências de nervos não lesados para suprir as funções mais importantes do ombro e cotovelo.
• Nos casos encaminhados mais tardiamente ou que tiveram uma recuperação neurológica incompleta, o tratamento é focado nas sequelas presentes no ombro principalmente. Esses pacientes são submetidos a cirurgias para reversão de contraturas e deformidades do ombro e para rebalanceamento da musculatura visando a melhora funcional do braço acometido. A via-de-acesso axilar permite uma abordagem ampla e completa das estruturas comprometidas do ombro, possibilitando a realização de alongamentos e transferências musculares. Sua principal vantagem consiste numa liberação gradual das estruturas comprometidas, sendo portanto menos agressiva e com menor potencial de sequelas, como a perda da rotação interna do ombro. Outra grande vantagem da via axilar é que a incisão de pele fica bem oculta na região axilar, com resultado estético muito superior a via delto-peitoral clássica e a via posterior. Novamente, uam boa equipe de terapia ocupacional é de grande importância nessas crianças, através da reabilitação pós-operatória e confecção de órteses que substituem o incômodo gesso no período pós-operatório de cirurgias do ombro.