Matéria publicada por Ciência e Saúde – Portal GI (Mariana Lenharo) . 06/02/2014
Sensibilidade é importante para regular a força exercida pela prótese. Voluntário diz que ‘sentiu a mão’ pela primeira vez depois da amputação.
Voluntário Dennis Aabo Sørensen identifica as características do objeto que segura por meio de uma sensibilidade artificial (Foto: LifeHand 2/Patrizia Tocci)
Uma nova prótese de mão desenvolvida por um grupo de pesquisadores europeus foi capaz de conferir ao amputado uma sensação semelhante ao tato, permitindo que ele identificasse a forma e a consistência de objetos. A novidade foi considerada de grande importância, pois a sensibilidade ao toque é essencial para o controle dos movimentos e da força.
Podemos não perceber, mas a modulação da força que exercemos ao segurar um objeto depende das informações que inúmeros sensores presentes em nossas mãos enviam para o cérebro, informando se o objeto é macio, rígido, áspero ou pontudo. Sem ter essa sensibilidade, arriscaríamos empregar força demais, e amassar um copo de plástico, por exemplo, ou força de menos, e deixar um copo de vidro se espatifar no chão.
O equipamento, criado a partir de uma colaboração entre cientistas de instituições da Itália, Suíça, Alemanha, Inglaterra e Dinamarca, envia informações captadas por sensores instalados nas pontas dos dedos da prótese diretamente para os nervos periféricos do paciente.
“Pela primeira vez, conseguimos restabelecer a capacidade sensorial em tempo real em um amputado, enquanto ele controlava essa mão ‘sensorizada’”, diz o pesquisador Silvestro Micera, um dos líderes da pesquisa. O estudo foi publicado na revista “Science Translational Medicine”.
EXPERIMENTO
Os cientistas partiram de um modelo de prótese já existente no mercado, em que o paciente é capaz de controlar os movimentos da mão artificial por meio de estímulos elétricos emitidos a partir do esforço exercido pelos músculos remanescentes. Captados pela prótese, esses estímulos controlam os movimentos de abrir e fechar os dedos ou girar o punho.
Foram implantados eletrodos diretamente em dois nervos do paciente. Sensores instalados na mão artificial detectam o nível de força que ele exerce enquanto segura um objeto. Essa informação é decodificada por um software e enviada aos eletrodos em forma de sinais elétricos passíveis de serem interpretados pelos nervos. Dessa forma, o paciente é capaz de controlar sua força em tempo real para se adequar às características do objeto.
Para o médico Álvaro Baik Cho, do Grupo de Mão e Cirurgia Reconstrutiva do Instituto de Ortopedia e Traumatologia do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP, o grande avanço dessa técnica é conseguir fazer uma interface direta da prótese com os nervos do paciente. “Dessa forma, cria-se uma sensibilidade artificial. É o que eu já vi de mais próximo a uma sensibilidade normal para o amputado, é realmente uma coisa muito inovadora”, diz.
O método foi testado em um único paciente: o dinamarquês Dennis Aabo Sørensen, que perdeu a mão esquerda há 9 anos em um acidente envolvendo fogos de artifício. Durante a realização de mais de 700 testes, ele mostrou-se capaz de sentir o formato dos objetos e sua consistência. “O feedback era totalmente novo para mim e, de repente, enquanto estava fazendo os movimentos, eu podia sentir o que eu estava fazendo, em vez de simplesmente olhar o que estava fazendo”, diz o paciente.
Para Cho, ainda deve demorar alguns anos até que essa nova ferramenta esteja disponível no mercado. Primeiro, o experimento deve ser repetido em um grupo maior de pacientes. Depois, deve haver um avanço tecnológico que permita que a ferramenta se torne portátil. O aparelho que decodifica os sinais captados pelos sensores ainda é grande e pesado.
TOQUE RUDIMENTAR
Uma tecnologia desenvolvida anteriormente já é capaz de fornecer ao amputado alguns sinais semelhantes ao tato, mas de maneira mais rudimentar. Trata-se da reinervação muscular orientada (TMR, na sigla em inglês). Cho explica que, por meio do reimplante dos nervos do membro amputado sobre os músculos do peito, é possível sentir uma resposta da pressão exercida pela prótese no peito. Porém, essa técnica não permite que o paciente tenha uma resposta de modulação da força em tempo real ao estímulo.
Sørensen é observado por equipe durante os testes da nova prótese (Foto: LifeHand 2/Patrizia Tocci)